domingo, 1 de abril de 2018

Shift - Caso Particular

DESAFIO 20.000 PROMPTS SUBMARINOS • GRUPO CANETA TINTEIRO

Um dia comum, indo para trabalho.
Um dia em que nada parece que vai dar errado.
Um dia, em que um acidente mudou minha vida por completo.
Um dia em que o mundo virou no avesso.

Que mal estar, essa deve ser a pior ressaca da minha vida… Meu corpo está dormente, não consigo me mexer. Não consigo ver nada também, meus olhos estão vendados? Minha garganta está com um baita incômodo, acho que estou entubada, devo estar em um hospital.
Beleza, e como eu vim parar aqui? Vai memória, não falha agora, qual é a última coisa que me lembro… Eu estava de viagem, foi isso. Fui passar o final de semana na casa de meus pais e estava voltando de viagem para trabalhar no dia seguinte. Para economizar, resolvi pegar uma carona e rachar o valor da viagem, usei um aplicativo e encontrei um pessoal que faria o mesmo percurso que eu. Lembro que uma moça foi dirigindo e eu fui no banco do carona, depois eu devo ter adormecido. Então deve ter rolado um acidente enquanto eu dormia.
Preciso me comunicar com alguém, mas como vou fazer isso neste estado? Ouço passos, tento fazer barulho com a boca, estou acordada! A pessoa dos passos começou a correr para longe de mim, deve estar tentando avisando a enfermagem!
Não demorou, logo uma médica veio falar comigo:
— Bem vindo de volta! Você dormiu por quase uma semana, meu rapaz! Cuidamos bem de você nesse meio tempo, creio que terá uma recuperação rápida.
Rapaz? Talvez ele tenha feito uma confusão por meu corpo estar todo enfaixado. Ela continuou
— Não sei se você está ciente, mas sofreu um acidente de carro. Sua recuperação está sendo boa, agora que acordou, podemos dar seguimento a uma nova fase do tratamento. Isso quer dizer que logo iremos retirar o tubo de sua garganta e as faixas que cobrem seus olhos.
Assim como a médica disse, não demorou muito para retirarem o tubo de minha garganta. Foi uma sensação bem estranha, muita ânsia, apesar de eu não ter vomitado nada. Quando fui tentar falar, não consegui. Me explicaram que isso às vezes acontece e que eu deveria esperar que logo voltaria ao normal.
Depois disso, retiraram as faixas de meus olhos, o enfermeiro disse:
— Você está com algumas cicatrizes próximas aos olhos ainda, este acidente quase o cegou. Quer olhar no espelho agora? Talvez seja melhor deixar para depois.
Eu balancei a cabeça positivamente, afirmando querer ver. Me mostraram o espelho e realmente me arrependi, mas não por ver cicatrizes, mas sim por ver um rosto masculino no lugar do habitual! O que fizeram comigo? É uma pegadinha? Infelizmente, não conseguia falar ainda e comecei a me agitar espontaneamente por conta do que vi, então me seguraram e um enfermeiro injetou algo no meu acesso…
Abro os olhos e vejo uma moça ao meu lado, ela começa a fazer gestos com as mãos. Meu irmão é mudo, então conheço bem o que os gestos significam, são palavras em libras. Ela me diz “Tudo bem? Está mais calmo agora?”. Eu tento falar e, desta vez, as palavras saem de minha boca, mesmo que minha voz ainda esteja fraca:
— Estou bem, mas não calma. O que fizeram com meu rosto? - é bem estranho ver que minha voz também é masculina, apesar de lembrar um pouco a minha normal. Pensando bem, o rosto no espelho também lembrava um pouco os traços do meu.
Ela me diz que só deram os pontos para curar, o roxo veio da batida do carro, o resto está normal.
— Como normal? Eu sempre fui mulher, o rosto no espelho era de um homem!
Tenho como resposta “Meu irmão, este sempre foi o seu rosto, você sempre foi homem”. Irmão? Mas eu não tenho irmã, apenas irmão! Será que ela é alguém de igreja e veio me visitar? Não, não faz sentido, só tem eu e ela no quarto, é minha acompanhante. Nada faz sentido, parece que nós dois trocamos de sexo… Será que isso é algum trauma cerebral que desenvolvi neste acidente?
Neste momento uma mulher loira entra no quarto, ela é muito bonita e seus olhos se destacam muito, afinal não é comum ver um olho verde e outro azul.
— Olá, Cláudio. Eu sei que talvez você esteja mais acostumado a ser chamado de Cláudia, e é exatamente isso que eu vim aqui lhe explicar. Vou pedir a sua irmã, por gentileza, nos deixar a sós por um momento. Não se preocupe, sou uma especialista no caso dele e apenas preciso explicar algumas coisas em particular. Depois entrarei em contato com a família, certo?”. Minha irmã de apenas deu um sinal de ok com as mãos e saiu do quarto.
— Cláudia, você se lembra da moça que lhe ofereceu a carona onde o acidente ocorreu, certo?
— Sim, eu lembro.
— Preciso te informar que ela faleceu ao te salvar. O carro não tinha airbag e, na batida, ela colocou o braço na frente do seu rosto, fazendo o acidente deixar de ser fatal para você. Neste momento, ela usou uma habilidade que poucos humanos tem, é algo bem complicado de se explicar… Imagine que existem duas dimensões, uma onde você é mulher e outra que você é homem. Não só você, o mundo inteiro é assim. Inclusive, até preconceitos e outras formas de discriminação são opostas entre estes mundos. Agora saiba que existem pessoas, como o caso desta moça, que conseguem transitar sua consciência entre os dois mundos. Foi o que ela fez quando te protegeu, porém, com a morte dela, este poder te afetou no lugar dela.
— Que viagem é essa… Sério, isso parece história de fantasia, ou ficção científica, apesar de parecer mais de terror para mim…
— Entendo o que você sente, porém não há nada que posso fazer por enquanto. Nunca vimos um caso como o seu antes.
— Vimos? Tem mais gente com você?
— Mais ou menos, não é bem como se eu fosse de uma organização ou algo do tipo. São apenas pessoas com algo em comum, e a moça que te salvou era uma de nós. De qualquer forma, dica com meu contato, precisamos de você e, acho, que você precisa de nós.
Depois de dizer isso ela saiu da sala. Logo meu irmão entrou de volta e perguntou se era algo grave, respondi:
— Não sei dizer, as coisas estão cada vez mais confusas. Só sei que é horrível ser um estranho para si mesmo. É assim que me sinto ao ver meu rosto, ouvir minha voz.

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